O falso centro
Edição #3 do quadro “Vivência do Centro” no Canal Senda
“A nossa mente confusa cria um falso senso de identidade, o ego, a partir de um processo de identificação com nome, forma, posses, títulos, grupos, etc. Criamos uma entidade sólida e absoluta com bases em designações relativas. Quando nos definimos a partir desses referenciais externos e transitórios, reduzimos a dimensão do nosso verdadeiro ser e passamos a atuar de modo instintivo para proteger a tudo que designa o eu. Passamos a depender emocionalmente de que todo o exterior se guie em conformidade com o meu centro, ou seja, de acordo com nossas próprias expectativas e projeções.”
Marco Moura
Reconhecendo o falso centro
O nosso sofrimento mental surge como consequência da ignorância, do fato de estarmos perdidos, sendo guiados pelos impulsos de prazer e aversão. Para sairmos do estado de confusão, precisamos nos familiarizar com o nosso centro real, precisamos desenvolver clareza e reconhecer as nossas próprias mentes.
O que se passa em nossas mentes? O que ocupa a maior parte dos nossos pensamentos ou, em torno de quê os nossos pensamentos giram? Provavelmente, em torno do eu: “o que eu vou fazer, onde eu vou estar, o que eu quero…” No caso de nos considerarmos pouco egocentrados, ainda existe uma armadilha: se eu pensar que não me preocupo comigo mesmo, que eu me importo de verdade com meus filhos, com meus pais, com meus amigos, com meu isso ou aquilo, ainda assim, este “meu” refere-se ao “eu”. Você não se importa com os amigos de um desconhecido, você se importa com aquilo que você denomina como seu. No centro disso tudo está o ego, que é a imagem que fazemos do eu.
O ego
O ego surge de um processo mental – um processo de identificação com elementos que eu associo a mim mesmo. Eu pego o meu nome de nascimento e passo a me rotular com esse nome. Olho para este corpo e considero-o como eu. Olho para o histórico de vida, as experiências que passei, o que aprendi, os valores que interiorizei, minhas preferências, julgamentos, etc., e acolho como parte de mim. Agora, nada disso pode me definir verdadeiramente. A imagem de mim mesmo está atrelada a toda essa coleção de fatores, mas nada disso define o eu.
Mesmo assim, nossas mentes estão totalmente voltadas para tudo isso como se fosse um eu sólido e absoluto. Nosso corpo fica doente e envelhece, então temos uma sensação de ferida no eu. Nossos gostos não são satisfeitos, as pessoas que gostamos se afastam, nossas opiniões são contrariadas e, em tudo isso, temos uma sensação de que o eu fica ferido. No fundo da nossa inconsciência, sentimos que só podemos ser realmente felizes quando tudo ao nosso redor estiver em conformidade com o centro do eu.
Essa é a nossa mente de apego ao eu, a mente da ignorância, que é a fonte de sofrimento. Ela é um falso centro, um falso eu, pois é uma criação mental, algo criado pelo pensamento. Enquanto não nos desvencilharmos dessa ilusão, estaremos operando a partir de um centro fora da realidade.
Transcendendo o ego
Então, como não sermos engolidos pela ilusão? Olhando de modo autêntico para a realidade da ilusão e reconhecendo-a como falsa. Com isso, ativamos a nossa atenção e resgatamos a nossa consciência plena. Vemos como sustentar esse “falso eu” não faz sentido, como desejar que tudo gire ao redor do eu é loucura. Assim, recuperamos a lucidez e não nos sentirmos confinados ao pequeno eu. Sempre que nos apequenamos em um falso senso de identidade, nos sentimos vulneráveis e nos tornamos reativos. A proposta é experienciarmos uma conexão mais verdadeira com a dimensão além dos rótulos, além da forma e além dos pensamentos.
Aprendendo com a respiração
Podemos fazer uma pausa e nos conectarmos com a respiração, sentindo como ela vitaliza o nosso corpo interior. Isso nos abre para o campo de energia onde estamos imersos e, certamente, nos aproxima de algo mais real.
Sugiro um exercício: vivencie a sua respiração. O ar entra e nutre o corpo, ele sai e leva embora as impurezas. Se deixarmos entrar mais do que sai, não é bom, se sair mais do que entra, também não é bom. Se ficarmos sem ar por um minuto, a coisa mais valiosa da vida, aquilo que mais desejaremos será o ar. Mas assim que ele entrar, teremos que deixá-lo ir.
Essa é a sabedoria da vida: um fluxo constante. Se não entendermos essa lição, passaremos a vida querendo aprisionar aquilo que nos traz satisfação momentânea e reagindo impulsivamente com medo ou raiva àquilo que nos desagrada. Isso significa fechar as portas do eu: o que é agradável fica dentro, o que é desagradável fica fora. Porém, não é assim que a vida funciona.
O que chamamos de eu é uma porta de vai e vem: as coisas entram e saem constantemente; aquilo que entra não nos define, o que sai também não. Esse fluxo é a vida. O ego, por outro lado, é um movimento que tenta negar o fluxo da vida.
Respire e viva sem tentar aprisionar, sem querer se apossar. Respire, mas não tendo o ego como centro. Não respire superficialmente, não respire com pressa. Faça a respiração do ser verdadeiro, aquela que nutre interiormente e que restabelece a nossa conexão com a vida. Quando o ego não é o centro, não existe um agente que respira – não sabemos se estamos respirando o ar ou se o ar está nos respirando. Você não sente que é o eu que respira, são as células do corpo que estão respirando. Se você estiver cercado de plantas, a sua respiração e a respiração das plantas se sincronizam: em um momento, você depende do oxigênio que elas liberam, em outro momento, elas dependem do gás carbônico que você expele. Respire por todas as plantas, respire por todos os seres do universo.
Abandone a mente egocentrada que espera resultados imediatos, que gosta de fazer coisas grandiosas para se sentir importante. Contribua de modo anônimo com o universo, sem medalhas de honra ao mérito, mas fazendo a sua parte enquanto integrante do universo. Isso é situar-se no centro verdadeiro.
Marco Moura
https://marcomoura.com
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