O resgate da originalidade

Segundo o “Sutra do Coração”, Kwan Yin, bodhisattva da compaixão, ao olhar profundamente para a composição do ego e para a natureza da mente humana, pôde superar todo o sofrimento e a infelicidade. Uma vez que o sofrimento reside em nós mesmos, ao se investigar em profundidade a dimensão humana, é revelado que a infelicidade se origina quando corpo e mente se tornam corrompidos.

O que significa corrompimento? Significa a perda da pureza original, como o ouro, um metal nobre que ao ser misturado com outros metais, perde o seu valor. E por que o corrompimento gera infelicidade? Porque quando estamos corrompidos e perdemos nossa pureza original, caminhamos em sentido oposto àquele que seria natural – pensamos o que não pensaríamos e fazemos o que não faríamos se estivéssemos sóbrios.

O corrompimento é um processo impuro. Nossa mente deixa de ser pura quando é contaminada pelos três venenos da ganância, raiva e ignorância. O corpo, sendo o veículo da mente, é contaminado simultaneamente e, ao se tornar uma ferramenta inadequada, gera ações nocivas.

Falando de modo relativo, o corrompimento leva à perda do estado original da mente. Nossos impulsos nos levam a desejar aquilo que é ilusório, o que tira a nossa lucidez e torna nossas mentes turvas. Ou seja, ao nos identificamos com aquilo que é impuro, manchamos nossas mentes.

Porém, no nível absoluto, o corrompimento e a impureza são inerentes à nossa mente original, que não faz distinção entre puro e impuro. Na mente essencialmente pura, não poderia haver algo diferente da pureza. O ouro essencialmente nobre tampouco poderia ser misturado com um metal vulgar justamente por não abrigar a distinção entre materiais nobres e vulgares. A distinção em si é o que condiciona o corrompimento, pois ela gera a identificação, que em si é ignorância.

Nesse sentido, quando se está acima da dualidade do puro e do impuro, quando o desejo e a aversão são abandonados, não há identificação com quaisquer qualidades. Superando a ilusão de um sujeito que possa ser manchado e de um objeto que possa manchar, não há mancha. Sem manchas, não há infelicidade. O que nos leva a essa superação, como Kwan Yin fez, é abrir nossos olhos – não os olhos cheios de intenção, que buscam algo em meio à observação, mas o olho interior que, olhando para fora, consegue enxergar dentro. Essa é a verdadeira contemplação.

Marco Moura

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