Ciclos Emocionais

Dentre a ampla variedade de emoções humanas e seus subtipos, a raiva merece consideração especial devido à reatividade impregnada em nossa sociedade. Aprendemos desde cedo a tomar partido e a nos impor diante de uma situação, sendo essa atitude um fator determinante para sermos reconhecidos socialmente como vitoriosos ou fracassados. A raiva sempre pressupõe uma ameaça que nos afronta, seja real ou fictícia, e uma atitude firme de intolerância frente a ela, seja expressa ou não. Essa emoção tende a crescer e a se retroalimentar quanto mais atenção damos à situação de desagrado. Vamos investigar esse processo.

Fisicamente, os nossos órgãos dos sentidos são os responsáveis por captarmos os estímulos do exterior, mas não são os responsáveis pelo significado que as imagens formadas terão em nossa concepção. Esse processamento que envolve o reconhecimento, nomeação, comparação e outras tantas associações acontece em áreas distintas do nosso cérebro. Em termos evolutivos, nosso encéfalo é dividido em três partes: primitivo (reptiliano), límbico (emocional) e néo-cortex (raciocínios elaborados). Os impulsos instintivos vêm do primeiro, os impulsos de prazer e medo vêm do segundo, e o raciocínio lógico do terceiro. O auge do desenvolvimento de nossa inteligência compreende o trabalho integrado dessas três partes.

Ao observarmos o exterior e recebermos os estímulos visuais, por exemplo, os nervos ópticos transmitem essa informação ao lobo occipital do cérebro, que organiza os dados e os envia a regiões do sistema límbico relacionadas à memória. Em uma rápida assimilação, a forma vista é comparada com o banco de dados básicos relativos a conteúdos emocionais fortes, principalmente relacionados à sobrevivência. Nós precisamos saber rapidamente se aquilo que está diante de nós oferece algum perigo. Diante da ameaça, a amígdala é acionada e dispara o alarme central de emergência. Devido à sua proximidade com o sistema reptiliano, as reações instintivas são automaticamente acionadas e o organismo é ativado para lidar com a situação de urgência, seja fugindo ou combatendo. De acordo com a necessidade, diferentes classes de hormônios são liberadas na corrente sanguínea. O circuito cerebral se condiciona para a situação e inibe as conexões que envolvem raciocínio e estabilidade mental. O cérebro se torna seletivo para informações relevantes à urgência e perde o senso de coerência para outras questões. Os nervos estão à flor da pele!

Os cinco agregados

As informações que recebemos dos órgãos dos sentidos não cessam e quanto mais o cérebro entra nesse estado de alerta, mais tendenciosos se tornam os significados que atribuímos à imagem que estamos captando. Quanto mais alimentamos esse significado, mais ele é atribuído à figura externa e mais distorcida ela se torna. Isso é explicado no ensinamento budista dos cinco agregados (skandhas): forma, sensação, percepção, volição e consciência. A (1) forma captada pelos sentidos é reconhecida em torno de (2) uma sensação de prazer ou aversão, (3) percebida dentro de um contexto onde seu significado é reconhecido, (4) surge uma intenção que se converte em uma ação volicional e (5) tudo isso converge em uma memória associando todo esse processo dentro da consciência. E o ciclo se repete de modo que a consciência forneça os dados para a nova interpretação da forma.

Os cinco elementos

Dentro da filosofia taoista, vemos o ciclo de emoções evoluindo dentro do ciclo de geração. Um elemento contribui para a formação do elemento seguinte nesta sequência: Água (medo), Madeira (raiva), Fogo (euforia), Terra (preocupação), Metal (tristeza). Temos portanto, que a água gera madeira, ou seja, que o medo contribui para a formação da raiva. Como isso acontece?

A insegurança que o ego sente frente a uma ameaça faz com que ele tome um dos caminhos: se retrair ou enfrentar. A raiva é o movimento contra o agente opressor. O medo é o ingrediente da raiva, pois o sujeito se sente ameaçado, porém, ao invés de se isentar diante do confronto, a atitude é de enfrentamento. A energia para a luta vem à tona.

As emoções sempre envolvem uma dualidade do ego. A raiva, que é a aversão excessiva, se contrapõe ao desejo excessivo, que é a paixão. A energia da paixão pode se converter rapidamente no polo oposto quando o objeto da paixão não cumpre com o papel esperado. É preciso neutralizar as emoções baixas através da virtude superior de cada elemento. Desse modo, a função da emoção correspondente volta ao padrão de coerência, que no caso da raiva, seria a capacidade assertiva.

Elemento | Emoção | Polo oposto | Função | Virtude
Água | Medo | Audácia | Proteção | Sabedoria
Madeira | Raiva | Paixão | Assertividade | Bondade
Fogo | Euforia | Desprezo | Contentamento | Respeito
Terra | Preocupação | Indiferença | Raciocínio | Sinceridade
Metal | Miséria emocional | Opulência emocional | Imparcialidade | Justiça

Na literatura budista, encontramos vários antídotos para aliviar a raiva. Em “Working with Anger”, a Ven. Thubten Chodron oferece alguns deles:

1) Sermos criticados normalmente nos deixa zangados. Quando a crítica é verdadeira, não há motivo para se zangar. É como alguém dizer: “você tem nariz”. Ok. Quando a pessoa diz uma inverdade ou aumenta os fatos, também não há por quê se zangar. É como alguém dizer: “você tem um chifre no meio da testa”. Ok.

2) Situações desafiadoras que nos irritam podem ter dois desfechos. Quando existe algo que possamos fazer para resolvê-la, basta fazê-lo. É simples! Quando não há o que fazer, basta relaxar. A ira não faz sentido em nenhum dos casos.

3) Durante o ataque de fúria, enxergamos as coisas muito superficialmente através de rótulos. Se pudermos ver a rede de interdependência, de como uma coisa levou a outra, deixaremos de habitar a superfície e penetraremos a fundo na questão. Então a relação de causa e efeito ficará evidente e não nos sentiremos vítimas impotentes da situação que, de alguma forma, contou com a nossa parcela de contribuição.

4) Atribuímos às pessoas que nos irritam os mais nefastos rótulos. Esquecemos que sem os desafios que elas nos proporcionam não podemos nos desenvolver espiritualmente. Elas trazem à tona as nossas imperfeições que não conseguimos ver por nós mesmos. Tratam-se, portanto, de amigos ou mestres em nosso caminho. É assim que devemos encará-los. Tenho certeza que todos têm ao seu redor mestres que desempenham seu papel de forma magnânima. 😉

5) A raiva não surge a partir da nossa essência espiritual, mas do ego. Desse modo, não carreguemos esse fardo, mas devolvamos a quem lhe diz respeito. A raiva surgiu? “Tome, ego, é sua!” Faça essa doação ao ego e liberte-se.

6) Sementes de uva só podem dar origem a uvas. Pessoas com pesadas sementes kármicas em sua consciência fatalmente farão florescer ações consonantes com a sua insensatez. Veja como um fato natural e não crie expectativas.

7) Tendemos a ver as pessoas agressivas como essencialmente más, como pessoas que são felizes por tratarem os outros mal. Olhe melhor: quando alguém é agressivo, você enxerga felicidade ou paz em seu semblante? Não, apenas sofrimento. Com um olhar compassivo, entendemos que o primeiro a se machucar com a agressividade é o próprio agressor.

Marco Moura

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