Retornando ao Centro - parte 3

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Em nossa realidade convencional baseada na dualidade, ou seja, condicionada à forma, como tornar o nosso olhar menos superficial de modo a enxergarmos a vida em sua profundidade? Como tocar a dimensão da não-forma aqui e agora, na realidade terrena?

Duas das três características da realidade física apontadas por Buddha são a impermanência (anicca) e a interdependência (anatman). Sem precisar recorrer a nenhum método extrassensorial, somos capazes de observar como tudo no universo está em constante transformação e como nada é isolado, mas sim dependente da combinação de várias causas e condições. Ao observarmos a impermanência e a interdependência em operação, tocamos a realidade por trás da forma.

A impermanência

A existência compreende ciclos. Nascimento e morte estão representados nos vários ciclos do universo, desde o surgimento e desaparecimento de um elétron em milionésimos de segundo, até o surgimento e desaparecimento de galáxias. Um macroinstante é constituído de microinstantes. 60 segundos compõem um minuto, onde 60min compõem uma hora, onde 24h compõem um dia, que formam semanas, meses, anos, uma vida, um ciclo de renascimentos… As frações de tempo são convenções a partir do referencial humano, pois o tempo em si não tem divisões.

Nós estabelecemos as medidas. Uma vida (medida macro) é composta de anos (medida micro), portanto o que eu faço dos anos da minha vida, moldam a vida como um todo. Cada instante é um momento neutro e nós decidimos o que fazer com ele. Podemos desperdiçar os nossos momentos ou aproveitar o potencial que eles oferecem.

Na meditação, cada respiração é um momento no qual podemos investir a energia da atenção plena de modo a gerar sementes de concentração. A cada momento, estamos tomando decisões e, portanto, produzindo sementes kármicas em nossa consciência. Um momento influencia o momento seguinte, da mesma forma que uma onda traz algum conteúdo da onda anterior. Cada onda participa na composição da nova onda. No fluxo da vida, cada momento contém elementos do momento anterior, portanto vemos que cada ciclo não é uma repetição; que apesar de seguirem um padrão, os ciclos estão sempre mudando. O padrão dessa minha respiração certamente influenciará a próxima, portanto o que eu faço deste momento é algo decisivo no momento que o sucede.

Podemos representar um ciclo como um círculo fechado, mas se observarmos de forma tridimensional, veremos que o ciclo não se repete em um circuito fechado, mas segue um movimento contínuo em espiral. Existe um padrão nos ciclos, um padrão de ondas. As ondas representadas de forma chapada também revelam no nível tridimensional o padrão de espiral. Ou seja, tudo está se movimentando em padrões cíclicos e podemos observar isso acontecer na prática: no homem e na natureza.

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O ser humano é um sistema integrado onde um ciclo tem correspondência com outro. Os pensamentos interferem no padrão de ondas eletromagnéticas cerebrais, que reflete no ciclo respiratório, que reflete no metabolismo celular, etc. Somos uma grande orquestra e é preciso definirmos a tônica que deve reger esse sistema. Se observarmos como o pensamento atual se reflete no momento seguinte propagando o seu padrão para a respiração e para o corpo, reconhecemos como estamos criando a nossa realidade. A nossa intenção é o regente de toda essa sinfonia, portanto, ela deve estar bem estabelecida de forma a ser o nosso centro de referência.

O desprendimento do nosso centro, ou seja, a perda de foco no nosso propósito essencial, é o que nos corrompe. É fácil nos perdermos na sequência de eventos de nossas vidas e nos deixarmos levar por acontecimentos secundários. Sem senso de prioridade, ficamos sem rumo. É como se a Terra se perdesse do Sol e seguisse uma órbita aleatória. Levando em conta que funcionamos energeticamente em ciclos espiralados, precisamos agir com base no eixo. É por esse motivo que as artes marciais como o Taijiquan estabelecem a região energética abaixo do umbigo (dantian) como centro de onde partem os movimentos e para onde eles retornam. Todos os movimentos das extremidades são subordinados ao movimento do centro.

A interdependência

No todo, tudo está integrado. Tudo conta com inúmeros fatores para ser aquilo que é. Na linha do tempo da vida, cada pessoa que passou deixou a sua marca, cada situação influenciou a sua tomada de decisões e cada pequena atitude definiu todo o curso da vida. É o chamado “efeito borboleta”. Somos o resultado de tudo isso.

O universo é o macrocosmo do qual somos uma pequena representação, um microcosmo. Também podemos definir o macro e o micro a partir de outros referenciais. O corpo humano como macro pode ter os segmentos corporais como micro. A medicina chinesa, baseada na influência do micro no macro, utiliza na reflexologia os microssistemas corporais (pés, mãos, orelhas, etc) para afetar outras áreas do corpo. Assim, estimulando um ponto no polegar, pode aliviar sintomas na cabeça.

Nós compomos o todo e influenciamos o nosso meio. Uma noite mal dormida pode influenciar o nosso humor a ponto da nossa expressão corporal refletir essa indisposição e influenciar outras pessoas, reverberando em centenas de relações interpessoais.

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Uma representação da interconectividade de todos os elementos que compõem o universo é expressa na Rede de Indra da tradição hinduísta. Nessa rede, todos os elementos são representados como joias dispostas em uma teia infinita, onde cada uma dessas joias reflete todas as outras. Na composição de um único elemento, todos os outros são participantes efetivos.

Marco Moura

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