Retornando ao Centro - parte 2
Há no ser humano um impulso que o move na busca pelo sentido de sua existência. Intuitivamente, o homem percebe que a sua vida tem um significado maior dentro do todo e, assim, busca a sua conexão com a fonte. Basicamente, duas faculdades humanas são utilizadas para esse fim: a fé e a razão.
Movidos pela fé, esse sentimento que nos faz crer em algo sem necessidade de uma comprovação racional, as pessoas são capazes de sacrifícios em nome de algo maior. Normalmente, a fé as leva ao encontro de uma doutrina religiosa, onde seus questionamentos existenciais barram em um dogma: a existência de uma figura onipotente, cujos mandamentos devem ser seguidos para se estar em conformidade com a vontade superior. As pessoas se tornam obedientes e assumem o pacto de servir a essa força maior a fim de receber a sua recompensa – um sistema de trocas. Dentro dessa dualidade (entidade superior X eu), não acontece o despertar, apenas uma acomodação espiritual.
Não convencidos pelos dogmas religiosos, utilizamos outra função humana, a razão. A análise racional dos fatos nos leva ao conhecimento. Pelo modelo cartesiano, fracionamos o todo em partes a fim de uma análise minuciosa. No entanto, essa análise não serve quando queremos compreender o todo, que é um princípio e não a soma das partes. Analisar a vida dessa forma é reduzir a eternidade a meras ideias ou conceitos. Estando por trás de todas as formas ou fragmentos, o todo integra, portanto as partes não têm consistência individualmente, mas somente na inter-relação com o todo.
Para chegar a uma conclusão por meio do raciocínio, existem dois métodos: a dedução e a indução. A dedução parte de uma premissa geral para chegar a uma conclusão individual. Por exemplo, se eu partisse da premissa que “todo religioso é alienado” e assumindo o fato de que Fulano é religioso, eu concluiria: logo, Fulano é alienado. É uma conclusão lógica, porém, a premissa básica não pode ser tomada como imperativa e inquestionável. Todas as verdades são meias-verdades.
Já a indução parte de fatos individuais para chegar a uma conclusão geral. Por exemplo, se conheço um católico, um budista, um muçulmano, 50 religiosos que sejam, e todas essas pessoas são alienadas, eu concluo: logo, todo religioso é alienado. Trata-se de uma comprovação estatística. Esse raciocínio nos leva ao preconceito, a uma generalização. Não é confiável.
Além disso, a razão faz uso do pensamento, cujo substrato são dados coletados no passado. São símbolos e significados contextualizados em situações já vividas. Como podemos usar o passado para compreender o presente? Sabemos que tudo está em constante transformação. O entendimento do passado não serve para o momento. Ele pode indicar uma probabilidade, mas da mesma forma que o raciocínio indutivo, não é confiável.
Se nem a fé nem a razão são suficientes para promover o despertar para a nossa natureza essencial, o que seria? Na verdade, o problema não está no uso da fé ou da razão, mas na dualidade implícita em seu uso. O essencial é o abandono da dualidade, o estado de não-mente. A ideia de um eu fragmentado se abriga na dualidade, bem como todos os conceitos que nos separam de quem somos em essência. Os assuntos que envolvem esse pequeno eu nos fazem perder a noção da totalidade.
Para começarmos a trilhar o caminho da transcendência desse pequeno eu e adentrarmos na dimensão do momento presente, é preciso abrir mão do passado, o que significa abrir mão do nosso histórico, de nossos hábitos, de todos os conceitos acumulados. Como vimos, o nosso conhecimento, apesar de ser importante para lidar com assuntos convencionais, não são válidos no nível da alma. Pelo menos no breve período da meditação, é importante que sejamos capazes de estar livres dessa bagagem. Sem nome, sem histórico, sem diferenciações – a realidade além da forma.
Em momentos que estejamos envolvidos demais na problemática do nosso eu fragmentado, um questionamento é válido:
“Sou capaz de permitir que o milagre da vida se faça agora por meio da minha presença ou estou ocupado demais cumprindo o papel de ser alguém?”
Marco Moura
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