Retornando ao Centro - parte 1

Bem-vindos! Após meses sem os nossos encontros, convém retomarmos alguns pontos:
Podemos escolher viver nossas vidas de modo aleatório, sem uma compreensão profunda sobre nós mesmos e sobre como participamos ativamente da criação da nossa realidade. Como um pêndulo sendo jogado pra cá e pra lá, oscilando entre momentos de felicidade e momentos de tristeza, buscando a paz, porém sem saber como cultivá-la propriamente.

Outra escolha é aprimorar o autoconhecimento, trazendo a luz da consciência para as nossas vidas. Muitos de nós temos lido bastante a respeito de ensinamentos filosóficos e espirituais, porém, sem aplicação na vida cotidiana, esse acúmulo de conhecimentos se torna uma bagagem desnecessária. É preciso aplicá-los para que se convertam em sabedoria e gerem transformações. O mais importante é desenvolver um olhar inteligente sobre a vida a ser aplicado momento a momento. Só assim podemos remover o véu de Maya (ilusão) e enxergar a realidade como ela é, e não como é projetada pela mente no estado de avidya (compreensão equivocada).

Alguns cuidados que devemos ter devido à tendência limitante da mente referem-se a:
Teoria sem aplicação: a mente pode ir muito longe em devaneios teóricos sem nunca colocar em prática. Mera especulação não faz sentido em nossa proposta. Qualquer insight que temos pode muito bem se perder se não o colocarmos em prática imediatamente. O ego gosta de guardar uma ideia e postergar a sua execução, mas essa é uma armadilha para que isso se converta em um conceito ao invés de gerar uma transformação. O presente é o único momento, então aproveite.
Fundamentalismo: embora utilizemos ensinamentos de mestres como Buda, Lao Zi, Cristo e grandes pensadores como apoio, o importante é focar na mensagem. As pessoas gostam de eleger a figura que mais se identificam como um modelo supremo e tomar suas palavras como verdades inquestionáveis. Com isso, perdem a capacidade de ver por si mesmos. Independente de quem quer que tenha falado, se for algo válido, tanto faz se for Buda ou o vizinho.
Reducionismo dualista: tendemos a reduzir a experiência de vida a algo concebível pela nossa mente, mesmo sabendo da nossa limitação. É importante reconhecermos que há aspectos insondáveis que nossas mentes não assimilam por meio da racionalização. Se especularmos a respeito de certos assuntos, estaremos reduzindo a infinitude a meras ideias e palavras.
Identificação com a forma: esse é o nosso equívoco fundamental que vamos perpetuando nas situações de vida gerando sofrimento. Adoramos categorizar, adoramos fórmulas, palavras, conceitos, rótulos… É cômodo adotar padrões cognitivos e comportamentais – bater o olho e saber o que fazer de antemão, já ter um modelo pré-estabelecido sem precisar pensar. Com isso, adotamos um caminho padrão para nossas tarefas e perdemos as possibilidades da vida.

Antes de executarmos uma ação, como pegar uma caneta, temos inúmeras possibilidades de fazê-lo. Uma vez escolhida a ação e sendo bem sucedidos, guardamos essa informação na memória. Da próxima vez que formos fazer a ação, ainda teremos inúmeras possibilidades, mas lembraremos da forma como fizemos que deu certo e tenderemos a repeti-la. Se fizermos milhares de vezes da mesma forma, ainda teremos inúmeras maneiras de fazê-la, mas teremos criado o condicionamento. As sinapses do sistema nervoso estarão fortalecidas em uma certa via e teremos muita dificuldade em fazer de outra forma. O que temos fisicamente como um padrão sináptico condicionado com atrofia das outras possíveis conexões neuronais, no nível mental temos a força do hábito, o karma. Essa força nos impulsiona inconscientemente para ações programadas.

Podemos ver que o que serviu no passado não serve hoje, ver que o nosso comportamento é inadequado. Podemos ter a decisão de abandonar os vícios e mudar, mas estamos de tal modo identificados com a estrutura mental já criada que deixamos de tentar. Essa estrutura se repete em todas as situações de vida – os assuntos e os personagens podem mudar, mas o padrão de comportamento é o mesmo. Os nossos pensamentos reproduzem esse padrão.

Essa identificação com a forma é um padrão da nossa mente local. Quando pensamos na mente, o que ela é? Onde ela está? O ocidente tem a tendência a achar que ela está no cérebro. O modelo de pensamento da ciência antiga ainda prevalece, postulando que a mente é um produto do cérebro. Segundo esse modelo, as espécies vivas foram evoluindo, a estrutura cerebral foi se aprimorando, de forma que o homo sapiens, o representante mais evoluído das espécies, desenvolveu uma capacidade mental superior e, portanto, a mente é um produto da sua estrutura física evoluída (cérebro). É uma visão lógica, porém restrita. Como uma estrutura física limitada pode criar por si mesma uma condição que transcende o físico?

Os antigos chineses, por exemplo, propunham que a mente reside no coração e que cada órgão tem participação na dinâmica da mente. É por isso que para tratar a raiva, tratam o fígado; para tratar o medo, harmonizam os rins. As células e os órgãos também guardam memória, conforme é comprovado por relatos de doação de órgãos.

Conforme a física moderna tem se dado conta do que já foi dito há milhares de anos por grandes mestres, a mente não é física, não é local. A mente universal, ou como queira nomear (o Todo, inteligência cósmica, consciência não local, Deus, Dao, Brahman, etc) é inconcebível. Dentro dessa potencialidade infinita, o universo físico é uma das possibilidades e, dentro dela, a espécie humana é mais uma e o indivíduo humano outra. Em outras palavras, tudo é consciência com diferentes possibilidades de manifestação, com diferentes graus de expressão. O que chamamos de matéria é energia imaterial que, vibrando em baixa frequência e em ressonância com a mente densificada, interpretamos como físico.

O que acontece com a consciência universal quando se reconhece como um indivíduo local, quando enxerga a realidade a partir do aparelho físico dentro das limitações do cérebro humano? Interpreta as coisas do jeito que dá. Imagine a inteligência universal como uma rede de dados invisível, um wi-fi cósmico. O nosso aparelho celular tem acesso à rede de dados e caso tivesse um cérebro, a inteligência que está se manifestando através dele concluiria que é ele próprio. Olha para o seu corpo e diz “ah, esse sou eu”, olha ao redor, experimenta algo prazeroso e conclui “ah, isso é fonte de prazer”, como se o objeto tivesse propriedades inerentes. Essa mente local olha o mundo a partir de uma perspectiva localizada e tira suas próprias conclusões. Desenvolve conceitos, ideias, julgamentos; observa que há outros seres semelhantes com ideias diferentes e que eventualmente se chocam. O indivíduo se junta a grupos com ideias semelhantes, tenta ser mais forte do que outros grupos para impor suas vontades e vive em conflito. A identificação com a forma se torna cada vez mais forte e é reproduzida em todos os aspectos da vida.

Em um certo momento, percebemos que esse sistema não dá certo e queremos nos reconhecer não como focos locais de mente individual mas como o que somos em essência, pura consciência. Como retornar à nossa fonte? É a mesma pergunta que uma onda poderia fazer: como posso deixar de ser onda para voltar a ser oceano? Da mesma forma que a onda nunca deixou de ser oceano, nós também nunca deixamos de ser consciência. Só precisamos perder a identificação com a forma e é nisso que consiste a nossa prática: desprender-se do modelo antigo e observar a realidade como ela é. Darmo-nos a chance de olhar a vida sem um ponto de vista condicionado e abrirmo-nos para as possibilidades.

Marco Moura

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