Pedra ou Ouro?
Há exatamente um ano atrás, o Mestre Pu Hsien, fundador do Templo Tzong Kwan, fez uma pergunta ao mesmo tempo óbvia e curiosa:
– Se diante de você houver um pedaço de ouro e outro de pedra, o que você escolhe?
A resposta, claro, é ouro. Mesmo sabendo que o ouro é muito mais valioso, todos nós continuamos a escolher pedra ao invés de ouro quando desperdiçamos as oportunidades valiosas da vida por conta de nossas condutas inconsequentes. Geramos compulsivamente medo, raiva, inveja, preocupação, cobiça, ódio – pedra ao invés de ouro.
Fiquei me perguntando o porquê de optarmos por uma coisa quando queremos outra. Será que queremos de verdade o ouro? Será que sabemos o que é o ouro em nossas vidas? E se sabemos o que queremos, por que cargas d’água continuamos percorrendo o caminho das pedras na esperança de encontrar ouro? É como plantar sementes de laranja esperando colher banana.
O que seria ouro para nós? Um barril de chocolate, uma mansão, um carro importado, iates? Sabemos como tais coisas são efêmeras e que não constituem o objetivo primordial de nossas vidas. Que tal beleza, status social, fama, conquistar a admiração das pessoas? Sabemos que mesmo as pessoas mais famosas sofrem de depressão e solidão. Pendendo um pouco mais para o lado negro, poderíamos perseguir o domínio sobre as pessoas, tendo os outros sob nosso controle, conquistar terras, grande influência política… Tudo isso alimenta a vaidade e a sede de poder, mas a ganância tem como contraparte um grande vazio interno.
O ouro não pode estar nos bens materiais, na aparência física e nem mesmo no poder social. O ouro é uma condição interna que nada neste mundo impermanente pode nos proporcionar em definitivo. É a sensação de paz interior, de completude, de felicidade genuína. É isso que nós buscamos, esse é o nosso ouro.
Por alguma razão, cometemos o equívoco de buscar essa condição interna nas situações externas e, com isso, vivemos em um estado de constante insatisfação, em um estado “pedra”. Essa condição é perpetuada pela nossa ignorância, que é a incapacidade de ver com clareza. Ela dá origem à cobiça e à aversão, ou seja, ao estado constante de ansiar por certas coisas e repudiar outras. Nesse estado, nós nos reconhecemos a partir do reflexo no exterior atrelado a nós: nossas posses, nosso status, nossa influência e nosso domínio. Em outras palavras, nos vemos a partir de como somos vistos e do quanto possuímos.
Podemos entender intelectualmente que a felicidade não pode ser encontrada nas condições temporárias externas, mas apesar disso, sabemos que a sensação de prazer ao se alcançar tais condições nos trazem um grande contentamento. Um agrado é bom, não é?
Esse contentamento temporário não pode ser confundido com o ouro. É uma felicidade temporária que advém da identificação inconsciente com o objeto de prazer. Durante esse período de inconsciência, nós nos esquecemos de nós mesmos e somos tomados pela sensação prazerosa. A natureza dessa sensação, no entanto, é a insatisfatoriedade. Uma hora ela vai passar e no seu lugar, surgirá o apego e seus acompanhantes: ressentimento, frustração, raiva, etc.
Quanto mais esse processo de identificação inconsciente com o objeto de prazer é reforçado, mais o hábito se instala e nos tornamos dependentes dele. Mais nos afastamos do ouro. Vamos seguindo o caminho de pedra esperando encontrar ouro, pois o mecanismo que incorporamos é a busca pelo objeto. Quem está a trilhar o caminho da busca não somos nós, mas a própria energia do desejo que se apossou de nós. A energia do desejo faz como na música do Metallica: “searching, seek and destroy” – procura, busca e destrói (consome). Nunca é o bastante, é preciso sempre mais e mais. É o samskhara no budismo, a estrutura mental encarregada da satisfação do desejo pela busca compulsiva.
A força do desejo é a entidade mental que se aproveita da identificação inconsciente, além disso, ela é em si a busca, a satisfação, o caminho que não leva a lugar nenhum, é a pedra no caminho da felicidade. Com ela ativa, nunca podemos usufruir o momento, pois após uma conquista, já almeja uma próxima.
Quando essa força não está ativa, o momento presente se torna mais radiante. No nosso contexto, se torna “dourado”. O ouro está por toda parte. Sem o ímpeto do desejo, a felicidade reina em sua forma sutil, pacífica, simples. O ouro que buscávamos estava aqui o tempo todo, encoberto pela busca desnecessária do ouro falsificado. Como pudemos deixar de vê-lo?
Marco Moura
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