Momento a momento

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Há uma lei imutável: tudo muda a todo instante. Algo parece errado com essa frase: se tudo muda, como isso pode ser imutável? Assim: a lei em um nível, o seu cumprimento no nível seguinte. Tudo o que opera em conformidade com a lei está dentro da lei, mas a lei em si não se submete a si mesma. O fato é: tudo está sempre mudando. Isso é fácil de compreender, algo muito óbvio, mas mesmo assim, olhamos tão por cima para essa verdade que não consideramos a sua grandiosidade e tudo o que ela implica. Por causa dessa desatenção, toda a nossa realidade parece ser construída ignorando o fato básico de que tudo é impermanente. Então, sofremos.

Uma vez que tudo muda a todo instante, não faz sentido esperar que algo permaneça o mesmo no próximo segundo que seja. No entanto, nós sustentamos essa expectativa, afinal, a experiência nos mostra que a mudança obedece a certos padrões; que não ocorre bruscamente na maior parte do tempo. Vendo as probabilidades, achamos que as estatísticas são favoráveis e que tudo bem termos uma expectativa “na dose certa”. Se ontem foi assim, anteontem também, se há uma semana, um mês, um ano tem sido assim, deduzo que é bem provável que continue. Então a certeza prega uma peça: a coisa muda. Em nosso nível superficial de percepção, a mudança que se passa quase inaparente por dias, meses ou anos, de uma hora para outra pode aflorar como uma realidade totalmente diferente. A metamorfose opera em um nível profundo por muito tempo, até que no momento apropriado ela se mostra na superfície. Quando nos deparamos com a novidade, ficamos surpresos. De onde ela veio?!?

Isso acontece porque deixamos de prestar atenção à mudança que ocorre de momento a momento. Por causa dessa observação superficial, acreditamos na ilusão de que as coisas continuam e permanecem. Não! Tudo morre a cada instante para dar lugar ao novo. Uma nova vida se apropria da energia deixada pela vida que se foi dando a impressão da continuidade do indivíduo. E não é preciso acreditar em reencarnação para se observar isso. Morte e renascimento ocorrem de instante a instante de um estado mental para o seguinte. Se você sente raiva de alguém, não na próxima vida, mas no próximo instante, você já morreu e deu surgimento a um novo alguém com raiva, porém não a mesma raiva. A raiva já mudou e você já mudou, logo, você não é a mesma pessoa. Porém, continua apegado à raiva.

A mente não pára, nada pára. O estado mental vai mudando imperceptivelmente em uma escala micro, mas de modo evidente em uma escala macro. Por que perdemos a capacidade de enxergar o micro, de ser sensível ao movimento sutil que acontece a todo momento? Porque nos perdemos na ilusão da aparência, na percepção grosseira. Com isso, perdemos a sensibilidade pela vida, que nos presenteia com uma novidade a todo instante. A vida se torna diminuta quando deixamos de notar a sutileza do momento presente e o sobrepomos com a imagem do momento anterior. A ilusão da continuidade é um perigo – aniquila o momento!

Apreciar o momento é a fonte de uma vida autêntica e feliz. Uma conhecida anedota zen ilustra como, apesar das dificuldades das circunstâncias, somente o presente oferece a chance da liberação:

“Havia um monge que estava sendo perseguido por um tigre faminto. Durante a sua fuga, caiu em um penhasco, agarrando-se firmemente a um cipó. Não podia subir pelo cipó, pois no alto, o tigre o aguardava. Olhando para baixo, outro tigre esperava que ele caísse. Nessa situação, viu dois ratinhos, um branco e um preto, roendo o cipó que ele segurava. Era impossível afastá-los. Foi quando ele avistou um ramo com um morango suculento. Estendeu o braço, alcançou o morango e deu uma mordida com gosto. Nesse momento, sem ser afligido pelo tigre do passado, do qual havia fugido, nem pelo tigre do futuro, que o esperava lá embaixo, disse: que delícia de morango! E atingiu a completa compreensão.”

Marco Moura

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