O Vitorioso - superando os obstáculos da prática interior (parte 1/3)
Por algum motivo, estamos nascidos, inseridos no caminho de vida. A todo momento, damos passos e optamos por qual direção seguir. Ao escolhermos o caminho da verdade interior, optamos por abandonar padrões mentais contrários à nossa realização. No decorrer desse caminho, encontramos obstáculos. Se a nossa determinação não for firme o suficiente, nós abandonamos a caminhada e perdemos o objetivo ao qual nos propusemos.
Os antigos taoistas chamaram o princípio da criação e continuidade do universo de Dao (caminho). Estamos todos nesse caminho contínuo e mutável. Existe no Dao o caminho, o caminhar e o caminhante. O caminho é o que nós percorremos. O caminhar é a prática – você deve percorrer o caminho. O caminhante é aquele que percorre o caminho. A prática interior é o caminho genuíno para a nossa natureza inata.
Em nosso caminho, todas as nossas ações levam a algum lugar; elas manifestam uma energia e são movidas por essa energia. A energia é o que permite o movimento e ela tem sido simbolizada por várias culturas pelo elemento fogo. Não podemos nos movimentar sem esse fogo. Não podemos caminhar e nem chegar a lugar nenhum se não tivemos uma chama que nos impulsione. Nós podemos ser dominados por esse fogo ao manifestá-lo de forma impulsiva ou podemos dominá-lo conscientemente.
O fogo impulsivo recebe o nome de “paixão”. Nós nos deixamos levar pelo impulso dos nossos desejos, projetando a satisfação interna em um objeto/pessoa/situação externa. A paixão, sendo uma projeção de expectativas, é ilusória. Ela se refere ao futuro, a uma ideia que pulsa na mente e que se nutre de pensamentos para se amplificar. Nós nos apaixonamos pelas nossas ideias, pela imagem que o objeto representa enquanto catalisador de um desejo. Não nos apaixonamos pela realidade presente. Quando o alvo de nossa paixão se torna conhecido, comum, o encanto desaparece.
O fogo consciente pode ser chamado entusiasmo, do grego: “en” (dentro), “theos” (deus) e “asm” (ação). “Ação do Deus interior”. Deus representa a consciência desperta. O impulso dessa inspiração divina não está ligado a uma ideia ou pensamento. Não é uma projeção de desejos. Trata-se de um movimento nascido da quietude interior, de uma dimensão profunda do nosso ser que só podemos reconhecer estando presentes de corpo e alma. O fogo da nossa fonte interior pulsa incessantemente, mas nós não o notamos e, devido às impurezas mentais, ele é convertido em desejos impulsivos.
O fogo impulsivo se baseia na busca externa. Quando encontra o que procura, ele apaga. O comum se torna entediante. O presente é entediante, o silêncio é entediante. Ao contrário, o fogo consciente não consiste na busca ou na obtenção de algo, mas na doação. É uma luz interna que quanto mais é doada, maior força tem para irradiar. É a luz da presença – sem passado, nem futuro; agora!
Sabemos que a meditação é a forma de vivenciarmos essa realidade interior sem interferência da mente ilusória. A meditação não tem um brilho passional – ao contrário, ela nos leva ao comum. A nossa mente viciada em desprezar o comum não encontra o fogo necessário para essa prática. Existe um “fogo de palha” inicial quando se interessa pelos benefícios que a meditação pode proporcionar, mas ao se começar a prática, damos de cara com o comum novamente e, com isso, é fácil desanimar.
O desânimo pela prática leva a uma atitude de comodismo. Este é o primeiro obstáculo à prática interior: a preguiça. A ausência de ânimo para a prática e o relutar em se mexer.
Nos ensinamentos budistas, são distinguidos três tipos de preguiça:
1) Desinteresse. A pessoa não se interessa pela prática porque não quer sair da sua zona de conforto. “Está bom assim.” A pessoa não está disposta a abrir mão do seu conforto momentâneo para se envolver em algo que demande algum esforço. Há o caso daqueles que relutam em mudar de ponto de vista ou em conhecer outras perspectivas por puro comodismo.
2) Auto-derrota. A pessoa é vencida antes de começar, pois se sente incapaz diante do esforço que terá que fazer. Pode até achar interessante a proposta, mas está convencida de que não é pra ela. Devido à sua negatividade e crença no fracasso, vive dizendo “não consigo”.
3) Hiperativa. A pessoa está ocupada demais para a prática. Está tão envolvida com os seus hábitos e padrões que acha mais cômodo continuar como está do que fazer mudanças positivas. A pessoa tem preguiça de se desplugar. Ela segue no piloto automático e vive dando desculpas do tipo “não tenho tempo” só para evitar ter que sair da sua rotina.
A meditação consiste em ações: começar a meditar, dar continuidade à meditação e finalizar apropriadamente. Se o obstáculo da preguiça se consolidar em qualquer uma das fases como se fosse uma âncora presa à mente que temos que arrastar, devemos ter antídotos que possam neutralizá-lo. Vamos a eles:
1) Convicção: em primeiro lugar, a prática deve fazer sentido para a gente. Devemos estar convictos dos benefícios desse caminho e de que podemos percorrê-lo.
2) Inclinação: reconhecendo-se os aspectos da prática, desenvolvemos a atitude de determinação. Já visualizamos o caminho e nos reconhecemos como caminhantes, agora nos resta caminhar. A prática se torna prioritária e nos dedicamos a ela.
3) Vigor: a dedicação é naturalmente amplificada quando nos sentimos bem. O entusiasmo floresce e sentimos a vitalidade durante a prática.
4) Flexibilidade: ao assumirmos uma postura de leveza e abertura, a qualquer momento podemos nos dispor a praticar sem estarmos presos ao comodismo. A prática é sempre bem-vinda!
Quando a preguiça é superada e o entusiasmo impera, o comum se torna extraordinário. Superar a preguiça é uma conquista imensa! Lembre-se: para haver superação, é preciso haver obstáculos; então quando a preguiça surgir, rejubile-se e saiba que se trata de um ingrediente para a vitória! Acolha-a e traga-a para a sua prática.
Marco Moura
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