Quando a xícara fica cheia

Ao se encher uma xícara totalmente, uma mínima gota é suficiente para fazê-la transbordar. Um leve esbarrão é suficiente para derramar o seu conteúdo. Pode-se dizer que a xícara torna-se intolerante à instabilidade. O mesmo acontece com o ser humano quando o seu ego está cheio: torna-se intolerante às pequenas oscilações da vida.

Alguém com o ego cheio é alguém cheio de ideias associadas àquilo que reconhece como EU e MEU, ou seja, alguém com a mente dominada pelo ego. Estando a mente subordinada ao ego, sua função se torna satisfazer as suas necessidades, protegê-lo e fazê-lo lucrar. A mente persegue aquilo que satisfaz o seu Senhor e defende-o das ameaças. Para tanto, ela tem mecanismos inconscientes de auto-preservação, como o desencadeamento das emoções do medo e da raiva, por exemplo.

A mente sabe discriminar muito bem, identificando o que é desejável e o que é uma ameaça ao ego, mas não exerce o mecanismo da tolerância. Por si só, a tolerância não é interessante para o ego, portanto a mente não pratica muito essa função. Ela é totalmente condicional: age em função do interesse do ego, buscando um resultado satisfatório, sempre dando respostas reativas aos estímulos internos e externos com uma justificativa egoica. As faculdades incondicionais como a compaixão não fazem parte de sua programação.

Da mesma forma que a xícara cheia, onde qualquer turbulência faz com que transborde, quando o ego está inflado, a mente também transborda. Se o medo transborda, há algo que se está protegendo em demasia. Quando se sustenta um eu/meu e algo o leva a crer que isso está desprotegido, gera-se temor. Esse temor transforma-se em raiva quando as coisas não seguem conforme a expectativa; esta raiva vira ódio. Quando o medo e a raiva surgem sem motivo, a mente já está contaminada com uma crença cega e o seu mecanismo de proteção está ativado espontaneamente. As células do corpo já estão impregnadas com essa energia, os meridianos vitais já estão bloqueados. A xícara da mente já está cheia até a borda.

É certo que esse mecanismo auto-protetor sabota a própria felicidade. Por que não esvaziar a xícara, escolhendo ser livre e não dependente das situações externas? Ao invés de sobreviver como se estivesse numa terra inimiga cheia de perigos, há a chance de se escolher a paz. Paz somente com liberdade, sem a prisão de um ego inflado que torna a pessoa rígida e ranzinza. Para quê viver assim? Mais sábio é esvaziar a mente, descondicionar-se, agir pelo não-agir. O eu tem muitas necessidades e a função da mente é atendê-los. Portanto, há de se compreender a mente. A mente mostra as diretrizes, cabe à sua intenção a decisão de qual caminho seguir. Ao esvaziar-se de si mesmo, você se abre para a vida.

Marco Moura 

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