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Mostrando postagens de setembro, 2014

A Bagagem que Carregamos

Cada um de nós tem suas preferências, o que nos confere a individualidade. Nossos contextos de vida são diferentes, bem como o nosso histórico e o modo como nos relacionamos com tudo isso. Segundo o budismo, nós carregamos sementes cármicas relacionadas aos hábitos. A força do hábito se instala em nossas mentes e se torna o nosso padrão automático de responder às situações cotidianas. É muito interessante como nós criamos a nossa identidade em cima desses padrões. Nós acreditamos que eles são fixos e usamos frases fatalistas do tipo "eu sou assim", "isto eu não consigo", "eu não gosto daquilo". São afirmações fixas que confirmam a crença de que a nossa realidade está pronta e que não temos o poder de mudá-la. Estamos presos na ideia de continuidade. Da mesma forma que uma sequência de imagens projetadas em uma tela dá a impressão do movimento contínuo, o momento a momento das nossas vidas também nos causa tal impressão - o que é uma ilusão. Podemos estar e

Nada a alcançar (apranihita - porta 3)

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As portas da liberação nos mostram como nada existe independente do observador. Através da observação de um fenômeno, você vê as características e qualidades que escolher ver. A terceira porta trata da ausência de objetivos ( apranihita ). Em nosso mundo movido pela busca e pela concretização de objetivos, não parece ter muito sentido a inexistência de objetivos. Ao compreendermos profundamente como a nossa busca é sustentada por objetivos visando preencher uma necessidade inventada, ela desmorona. É possível mover-se na vida sem objetivos? Os praticantes budistas visam a iluminação, assim como os cristãos visam o paraíso. Todos temos o potencial para nos tornarmos Buda e fazemos disso o nosso objetivo a fim de atingirmos a realização última, o nirvana. Mas nessa jornada, criamos uma linha do tempo separando-nos (sujeito) do objetivo. O nosso desenvolvimento gradual vai nos levando ao fim da linha para atingirmos a realização. Está implícita a noção dualista sujeito-objeto. O nosso cam

Superando as aparências (animitta - porta 2)

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Antes de adentrarmos na segunda porta da liberação, a primeira porta ( sunyata ) deve estar bem elucidada. Como utilizar na prática a visão do vazio, uma percepção que vai além da percepção comum? A compreensão da inconsistência dos fenômenos é a chave para um grande portal, mas a chave não pode abrir nada se não a colocarmos na fechadura. Devemos nos acostumar no dia-a-dia a aplicar o olhar do sunyata – questionar as nossas percepções, duvidar dos obstáculos que vemos diante de nós, dos nossos limites internos e de quem achamos que somos. É preciso iniciativa, disposição e coragem para se sustentar um novo olhar. O mestre Thich Nhat Hanh apresentou nesta semana uma nova tradução do Sutra do Coração, que é uma das principais obras que tratam do sunyata . Nessa versão, o título prajnaparamita é traduzido como “O Insight que Nos Leva à Outra Margem”. Nas passagens do sutra onde era dito “não há os cinco skandhas (o eu psicológico), nem os órgãos dos sentidos, nem os objetos de contato

Uma Visão sobre o Caminho Budista

Religião, filosofia, doutrina – não há uma definição certeira para o budismo. Independente de rótulos, saber que a sua prática conduz à felicidade é o mais importante. Vejo o budismo, acima de tudo, como um caminho realista para enxergar a vida como ela é. Isso evita que criemos percepções equivocadas da realidade e, sem esse equívoco, podemos desmanchar nossas falsas expectativas, podemos compreender onde os nossos passos podem nos levar e seguir conscientemente rumo à fonte da real felicidade. O budismo nos ensina a ver além das aparências. Enquanto seguimos a vida sem atenção, vemos o mundo como uma realidade pronta onde o nosso papel é achar o nosso espaço nele. Olhando para além das aparências, vemos que o mundo não está pronto, ao invés, está sendo construído e atualizado constantemente segundo a lei de causa e efeito. Nós também somos produtos dessa lei e estamos integrados à realidade onde estamos inseridos. O nosso papel diante dessa realidade não é sermos conformistas; é comp

Vazio ou cheio é o seu olhar (sunyata - porta 1)

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O ensinamento budista das “três portas da liberação” é uma espécie de guia para nos libertar da prisão. Que prisão? A prisão conceitual que criamos ao nosso redor e que nos ilude com uma apresentação falsa da realidade. Conforme ensinou Buda, a ilusão gera sofrimento. Entretanto, os ensinamentos de Buda não são afirmações categóricas para aceitarmos sem questionar, ao contrário, são setas indicando uma direção. Eles incitam o questionamento das nossas verdades rígidas. O ensinamento das “três portas da liberação” nos mostra o quão inconsistentes são os muros da prisão que nos envolve. Certa vez, um discípulo perguntou a um mestre zen: como posso sair da cadeia de sofrimentos? Ao que o mestre respondeu: quem, a não ser você, te colocou nela? Primeira porta – sunyata (vazio) Há uma frase que diz que a vida é um papel em branco que vamos preenchendo no dia-a-dia. Acho uma bela descrição. Imaginar que temos diante de nós uma vida inteira vazia para ser preenchida é bastante animador. O que